Justiça condena bar a cumprir normas sanitárias de combate à Covid-19, mas rejeita pagamento de indenização por dano moral coletivo


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Justiça condena bar a cumprir normas sanitárias de combate à Covid-19, mas rejeita pagamento de indenização por dano moral coletivo

O juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Presidente Prudente (SP), Lucas Silva Barretto, julgou parcialmente procedente uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) e condenou o estabelecimento comercial conhecido popularmente como “Bar do João Porquinho” a cumprir as determinações das autoridades sanitárias para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil por cada eventual violação.

Na sentença, que foi remetida nesta quarta-feira (20) para a publicação oficial, o juiz rejeitou o pedido feito pela Promotoria de condenação do bar ao pagamento de uma indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo.

Cabe recurso à decisão da primeira instância.

Na ação, o MPE-SP acusou o estabelecimento comercial, que fica na Vila Industrial, de desrespeitar acintosamente as medidas sanitárias impostas pelo governo estadual para frear o avanço da pandemia. A Promotoria sustentou que o bar, embora estivesse com as atividades suspensas por força do decreto nº 64.881/2020, por várias vezes agiu como se a pandemia não existisse, funcionando normalmente em datas em que a região de Presidente Prudente estava na fase vermelha do Plano São Paulo e em total desrespeito às normas sanitárias e aos protocolos do programa estadual de combate ao novo coronavírus. Ainda segundo o MPE-SP, a Vigilância Sanitária apontou o estabelecimento como um dos mais refratários ao cumprimento das regras sanitárias para o enfrentamento da pandemia. Além disso, conforme a Promotoria, ao funcionar em desrespeito às normas sanitárias, o bar contribuiu para a propagação do vírus e para colocar a saúde pública em situação de dano, com graves reflexos na economia da região.

Em sua defesa apresentada à Justiça, o bar postulou a total improcedência da ação movida pelo MPE-SP e ressaltou que, durante o ano de 2020, sofreu com denúncias aparentemente infundadas. Também argumentou que as autuações sofridas estão intrinsecamente ligadas a fatos que flexibilizaram ou autorizaram os comerciantes locais a manter seus estabelecimentos em horários e condições de atendimento diversos dos previstos no Plano São Paulo.

“De fato, não há motivos para isentar o estabelecimento requerido do cumprimento das normas que foram legalmente editadas pelo Poder Público. Ressalte-se que nem mesmo o requerido, em sua contestação, alega estar imune aos regulamentos. Assim, não há motivo algum para a improcedência de tal pedido”, afirma na sentença o juiz Lucas Silva Barretto.

O magistrado relata que, no caso, são atribuídas ao estabelecimento três transgressões, que teriam ocorrido em 16 de setembro de 2020 e, em janeiro de 2021, nos dias 16 e 23.

Segundo a sentença, o próprio bar não nega que o estabelecimento transgrediu as regras sanitárias do período, contudo, afirma que isso não gera dano moral coletivo.

“Pois. A situação é, evidentemente, atípica. A um, cabe apontar que as regras sanitárias descumpridas pelo requerido não são as usuais, que visam a proteção do consumidor e da sociedade em tempos normais. São as regras de exceção, editadas e publicadas em um período singular – o da pandemia do Sars-Cov-19. Nesse sentido, e como já reafirmado por inúmeras vezes, é absolutamente essencial e necessária a cooperação de todos para que o momento pandêmico possa ser ultrapassado com o menor número de vítimas possível. Agora, em outubro de 2021, mais de ano e meio ultrapassados, com mais de 600.000 vidas perdidas, desde o início da pandemia, fica também evidente que tal cooperação não ocorreu da maneira desejada. E, como demonstrado pelas autuações do estabelecimento requerido, este certamente descumpriu com esse dever de cooperação”, argumenta o juiz.

No entendimento do magistrado, a primeira constatação sobre as transgressões atribuídas ao bar tem de ser a respeito de seu número e “é certo dizer que foram poucas”.

“Considerado todo o período de restrições, só há provas de que o estabelecimento tenha violado alguma regra por 3 vezes”, pontua Barretto.

Ao analisar a primeira transgressão, o juiz considera que, de fato, há provas de que agentes públicos – notadamente, a Prefeitura e o Ministério Público – defenderam, à época, o aumento do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. E aponta que a transgressão em questão seria, justamente, pelo descumprimento do horário de funcionamento. Barretto salienta que, ao que tudo indica, as informações a respeito dos horários de funcionamento naquele momento eram, no mínimo, não exatamente claras. Como o próprio Ministério Público concordou com o aumento do horário, o juiz entende que a conduta do bar não demonstrou “gravidade exacerbada”.

“Seguindo-se, há novo descumprimento relatado em 16/01/2021. O fato gerador do auto de infração seria o consumo de bebidas alcoólicas após as 20 horas, o que seria vedado pelas normas à época. E, novamente, a 23/01/2021, por causar aglomeração, tendo sido lavrado boletim de ocorrência a respeito. A respeito destas duas transgressões, há notícias nos autos de que a Prefeitura Municipal, sob governo recentemente empossado, trabalhava para modificar ou retirar as restrições do comércio”, diz a sentença.

“Pois. Evidente que notícias, reuniões e orientações informais não se sobrepõem ao estabelecido em normas, ainda que infralegais. Todavia, não se olvide, também, que a confusão gerada por pronunciamentos desencontrados, decisões conflitantes dos Governos Federal, Estadual e Municipal, e, inclusive, do próprio Poder Judiciário, gera sensação de insegurança e confusão na população. Ora, não se trata de afirmar que essa confusão permite ou justifica o descumprimento das normas. Não se trata de eximir o requerido de qualquer punição. Mas, a situação deve ser analisada de maneira a englobar todos os aspectos concretos que se faziam presentes à data dos fatos. E, ainda que tais circunstâncias não justifiquem a conduta do requerido, certamente devem ser levadas em conta quando de sua punição”, pontua o juiz.

Barretto conclui que a condenação do bar ao pagamento de indenização por dano moral coletivo “não é a medida correta”.

“Como já afirmado, as transgressões do requerido são poucas e de gravidade concreta baixa. Aqui não se discute uma imensa aglomeração, uma festa clandestina, com presença de milhares de pessoas. Mas sim do descumprimento de horários e de protocolos sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Não se olvide que o cumprimento das medidas editadas pelas autoridades sanitárias visa a proteger toda a população do vírus. Contudo, não há como se afirmar que três transgressões, consistentes em descumprimento de horários e aglomeração de algumas dezenas de pessoas, tenham gerado dano moral coletivo”, afirma o magistrado.

Bar João Porquinho, em Presidente Prudente (SP) — Foto: Reprodução/MPE
Bar João Porquinho, em Presidente Prudente (SP) — Foto: Reprodução/MPE

“Ora, resta nítido que parcela considerável da sociedade, do poder público e da iniciativa privada não contribuiu para o enfrentamento da pandemia. Pelo contrário – diversos laboraram com intenção, deliberada ou não, de diminuir a importância do vírus e da pandemia”, prossegue.

“É certo o Ministério Público ao afirmar que as transgressões de outros não autorizam o requerido a, também, transgredir. Entretanto, diante de uma quantidade considerável de transgressões por tantos personagens, públicos e privados, diferentes, se mostra temerário atribuir ao requerido uma parcela significativa no recrudescimento da pandemia – o que geraria o dano moral coletivo”, pondera.

“Induvidoso que a sociedade sofreu, sofre e ainda sofrerá muito com a pandemia. Todavia, entendo que esse sofrimento, essa lesão a um patrimônio imaterial da coletividade, esse dano extrapatrimonial ao coletivo não pode ser atribuído ao requerido, no caso concreto”, sustenta.

“Embora esse tenha, sem sombra de dúvidas, transgredido as normas sanitárias, entendo que as transgressões, pela quantidade e natureza, não causem repúdio e desapreço intoleráveis e capazes de gerar a pretensa responsabilidade indenizatória. Entendo que as autuações administrativas, com as punições lá impostas, bem como o deferimento da obrigação de fazer – com a multa pelo descumprimento – são suficientes para punir as condutas pretéritas e coibir novas violações. Assim, resta afastado o pleito de dano moral coletivo”, sentencia.

Outro lado

Em nota ao g1 nesta quarta-feira (20), o escritório Herbella, Rabelo & Franco Advogados Associados, que atua na defesa do Bar do João Porquinho, informou que até o momento ainda não foi intimado oficialmente da decisão judicial.

Por Gelson Netto e Aline Costa, g1 Presidente Prudente

Fonte G1.

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