Produtores rurais buscam tornar imóveis ambiental e socialmente sustentáveis com programa na Bacia do Rio Santo Anastácio
“Se acabar tudo, a gente acaba também”. A afirmação se refere ao meio ambiente e foi citada ao G1 pelo produtor rural Luís Zanelli, de 58 anos, morador em Presidente Prudente (SP). Filho de agricultor, crescido na roça, técnico em agropecuária, administrador de empresas, ele é um dos moradores da área abrangente à Bacia Hidrográfica do Rio Santo Anastácio e um dos apoiadores do Programa Produtor de Água.
Mobilizado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o programa tem o objetivo de proteger os recursos hídricos no Brasil, bem como reduzir a erosão e o assoreamento de mananciais no meio rural. Para tanto foi repassado ao Município um recurso de R$ 1.015.337,55 para ser investido na bacia hidrográfica do alto curso do Rio Santo Anastácio.
Em Presidente Prudente, o produtor trabalhava com ovinos, mas deu uma pausa para reformar pastagens e barracões. Paralelamente a isso, Zanelli começou com a piscicultura; tem dois tanques e visa a tornar comercial a atividade.
Quando comprou a propriedade, Luís já colocou em prática muitas das ações que abrangem ao programa por conta própria. “Fiz terraceamento, tirei as erosões, consegui duas mil e quinhentas árvores da Cespe”, comentou ao G1.
As mudas foram plantadas às margens de um pequeno córrego que deságua no Rio Santo Anastácio e foi prejudicado, segundo ele, por obras de uma rodovia. Este seria um ponto a ser recuperado pelo programa em sua propriedade.
“Então na época que eu comprei, fiz tudo, mas tem algumas coisas desse programa que é interessante pra gente, como a conservação da estrada; tem uns dois lugares que precisam fazer um terraço, mas pouca coisa, e lá embaixo a mata ciliar já está feita. É mais para juntar o pessoal mesmo; o nosso problema maior aqui seria essa estrada que tem muita água, justamente porque tem vizinho que não tem essa conservação de solo, não tem esse terraceamento, então a água escorre para a estrada, faz erosão”, explicou Zanelli ao G1 sobre um dos motivos principais para a adesão.
Zanelli foi apresentado ao programa pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e se interessou em aderir, principalmente, pelas adequações nas estradas rurais, pois sua propriedade já está “um passo a frente” em algumas intervenções ambientais, como a recuperação de mata ciliar. Mas ele reconhece a importância da preservação e vem incentivando a participação de outros produtores rurais.
Entretanto, há ainda quem resista, pois acredita que haverá um prejuízo. “Muitas vezes resistem porque logo de primeiro momento ele fala ‘Ah, vai estragar tudo’, mas ele tem que colocar na cabeça que daqui a seis meses, um ano ele vai ter um retorno dessa reforma”, disse.
Todas as intervenções deverão ser feitas com o recurso liberado ao município. Mas nesta primeira etapa o produtor ainda não receberá um retorno financeiro. Esse foi também um motivo apontado para “o pé atrás”, já que alguns agricultores possuem uma baixa renda e precisam até trabalhar na cidade para melhorar economicamente.
Consciência
É um trabalho de conscientização a ser feito em todos os lados e ter também paciência para chegar ao momento em que os produtores possam receber um retorno.
“A gente vai vendo as notícias de que está cada vez mais escasso [água]; tanto é que o governo agora já anunciou que vai ter uma crise hídrica que vai afetar a energia elétrica. Está cada vez mais escasso a parte de água”, comentou ao G1.
Zanelli acredita que o retorno econômico é uma maneira de fazer com que mais proprietários se interessem pelo programa. “Toda zona rural é obrigada a conservar água e tal, e o pessoal da cidade não tem conscientização. Aí agora ‘vai faltar água’, mas tem gente lavando calçada, tem gente lavando carro, tem gente que não está nem aí, joga lixo”, comentou.
O produtor ainda salientou que muito do lixo que aparece nos córregos da região vem da cidade e recordou um velho assunto: o descarte irregular de lixo nas estradas rurais, que é bem recorrente no trevo que dá acesso à sua propriedade.
“Então, é aquela história, ‘Por que tenho que conservar, fazer mata ciliar, fazer curva de nível pra não assorear os rios, sendo que os outros, a maioria que está na cidade não pode ter essa conscientização de, pelo menos ajudar, lá? Se tivesse uma remuneração…”, acrescentou Zanelli.
Ele ainda comentou que o projeto já foi aplicado em outros estados e que depois de tudo recomposto, há a possibilidade de haver um retorno financeiro.
“Quem sabe a gente recuperando essa bacia do Santo Anastácio, dando certo esse programa, daqui a quatro, cinco anos a gente tem condições de ter um reembolso desse trabalho? Se aumentar a água e a conservação dos cursos de água, tirar as erosões dos cursos de água, e a água aumentar, quem sabe a gente não consegue ter algum ganho?”, reflete.
Luís comenta que “pode ser um sonho”, mas daqui a cinco anos, dez anos pode haver uma taxa de meio ambiente para remunerar quem produz água, assim como acontece com a iluminação pública, como uma “prestação de serviço”.
“Quando mexe no bolso das pessoas, começam a se conscientizar, falam ‘tô pagando, então eu não vou estragar; se eu tô pagando pro pessoal do sítio conservar o rio, eu não vou jogar lixo aqui porque vai pra lá”, disse.
Ainda foi destacado pelo produtor que “o certo seria cada um ter a consciência de conservação e conservar o meio ambiente, porque se acabar tudo a gente acaba também. Mas se não for pegando pelo bolso, não vai”.
Série de ações
O engenheiro agrônomo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Presidente Prudente, Igor Cabreira da Silva, explicou ao G1 que o programa, originado na esfera federal e existente há cerca de 20 anos, visa fomentar e financiar ações de preservação, principalmente voltadas às questões hídricas e áreas rurais, que é onde se tem a maior parte dos rios, mas “de uma forma voluntária e não impositiva”.
“A legislação ambiental atual acaba sendo uma medida impositiva. O produtor tem que recompor a sua Área de Preservação Permanente, que é a mata ciliar próxima dos córregos e nascentes, num intuito de obrigatoriedade e, ao longo do tempo, se percebeu que isso não tinha um efeito muito abrangente, ou seja, a adesão era pouca. Toda vez que você impõe alguma coisa tem certa resistência”, comentou o engenheiro.
Os produtores que aderirem ao programa receberão melhorias na conservação do solo de suas propriedades, por meio da construção de terraços em nível, para melhorar a infiltração de água no solo e reduzir a formação de erosões em suas áreas produtivas.
Além disso, as estradas rurais também serão readequadas com o intuito de melhorar sua trafegabilidade, bem como facilitar o escoamento da produção agropecuária e o trânsito de veículos, melhorando o acesso destes locais e o transporte de insumos para serem utilizados para a produção.
As melhorias nas estradas rurais também visam controlar o fluxo e velocidade da água, que podem ser realizadas dentro da propriedade com intervenções em estruturas de contenção. Isso ainda deve aumentar a infiltração da água no lençol freático, ao invés dela carrear diretamente para o córrego, levando sedimentos e causando erosão do leito dos rios.
Existe ainda a recuperação das áreas de preservação, que trazem um ganho ambiental para estas propriedades e toda a sociedade local.
Neste meio ambiental devem ser realizadas a recuperação de nascentes para evitar o assoreamento dos rios e córregos, recarregando os mananciais subterrâneos (lençóis freáticos, aquíferos, e outros) de forma a propiciar maior disponibilidade de água e de melhor qualidade para uso na produção agropecuária – como criação animal e irrigação de lavouras –, além da utilização pela população urbana.
Haverá também melhorias nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), que proporcionarão ganho ambiental e valorização das propriedades, como recuperação de vegetação de mata ciliar.
“São ações necessárias que propiciam maior disponibilidade de água e de melhor qualidade (principalmente em momentos de estiagem) possibilitando seu uso no abastecimento urbano, industrial e na produção agropecuária”, comentou.
Segundo o engenheiro agrônomo, “os produtores que aderirem ao programa terão prioridade para receber recursos como, por exemplo, a remuneração dos serviços ambientais prestados a sociedade, por meio do Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)”.
Sustentabilidade
Presidente Prudente está na fase de adesão de participantes. Algumas reuniões, com trabalho de informação e orientação, estão sendo feitas para esclarecer todas as dúvidas que gerem resistência dos produtores.
Silva explicou que do ponto de vista do produtor ele imagina que “terá de abrir mão de uma área produtiva com custos para ele para um benefício que não será só dele”. “Ninguém faz isso pura e simplesmente só pela questão ambiental”.
“O que o projeto traz é a gente promover a sustentabilidade daquela propriedade rural. Então, pra que uma propriedade seja sustentável, ela não pode se basear em apenas um conceito, um pilar, não pode abordar ela só de uma ótica, ou seja, você não pode ver ela só pelo lado ambiental, você não pode ver ela só pelo lado econômico, é um conjunto; Você tem que melhorar a propriedade e possibilitar que ela, economicamente, seja sustentável pra que você possa tornar ela ambientalmente sustentável, socialmente sustentável, que aí o produtor vai poder se fixa lá, vai poder gerar emprego também”, enfatizou.
Um exemplo citado por Silva é que se há uma propriedade onde a pastagem é degradada, haverá a estimulação e fomento para que o produtor consiga ter um retorno econômico daquela área maior, ou seja, fazer uma reforma de pastagem.
Silva salientou que “é um processo de transformação, e pra você ter essa transformação primeiro você precisa dar esse passo inicial”.
Prazos
Com o términos das reuniões e o necessário de participantes para a aplicação do recurso liberado vem a etapa das visitas técnicas às propriedades, que darão base à elaboração do projeto técnico com o detalhamento das intervenções a serem feitas em cada propriedade.
“A gente vai fazer um plano individual de trabalho para determinar onde vão ser feitas as intervenções, quais intervenções, quantificar isso, fazer um orçamento disso”, comentou. A partir daí serão realizados os trâmites para a liberação do convênio.
As equipes técnicas têm até outubro deste ano para entregar os projetos, que passarão por aprovação.
A partir da aprovação entra a execução do projeto, que depende de projeto licitatório para contratar empresa, e com o acompanhamento dos técnicos serão realizadas as intervenções.
A execução das intervenções tem o prazo de três anos para a conclusão, ou seja, até 31 de dezembro de 2023.
“Mas como o projeto é mais amplo, ele não se limita apenas a esse recurso. O objetivo é que ele seja perene e se expanda para outras regiões, não fique limitado só aqui na bacia do Santo Anastácio, que se espalhe pras outras bacias, pros outros municípios”, afirmou.
Futuramente, segundo Silva, pode ser cobrada uma taxa na conta de água para ser destinada aos produtores de água.
“Aí é uma outra etapa do projeto que a gente chama de pagamento de serviços ambientais. A partir daí o produtor vai ser realmente visto como produtor de águas, ele vai passar a receber o valor financeiro em detrimento daquilo que ele está prestando, ou seja, ele está prestando um serviço, ele vai ser remunerado, essa remuneração não tem um valor fixo, vai de acordo com a propriedade, é feita uma estimativa, uma quantificação daquilo com que casa propriedade tá contribuindo com o projeto”, explicou.
Ainda segundo Silva, “a partir do sucesso do projeto, a partir do momento em que se tem os benefícios oriundos dessa ação inicial, a gente consegue ter essa contrapartida e implementar esse programa de pagamento de serviços ambiental, que é uma segunda etapa”.
“Aí começa a ser o desenvolvimento e a frutificação desse projeto, dessa semente que está sendo plantada agora”, argumentou.
Silva ainda enfatizou que “os efeitos são mais evidentes quando se tem a implementação do projeto de forma conjunta e contínua”.
Mobilizadores
Ao G1, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informou que “as ações previstas no Programa Produtor de Águas contribuirão para a recuperação de áreas que integram a Bacia do Rio Santo Anastácio e, consequentemente, irão ajudar a proteger o manancial que a companhia utiliza para abastecimento público”.
Atualmente, o Rio Santo Anastácio é responsável pelo abastecimento de, aproximadamente, 30% da população de Presidente Prudente e também colabora com o fornecimento de água em Álvares Machado.
“A Sabesp possui representantes no grupo gestor do programa em Presidente Prudente”, destacou.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) afirmou que fornece apoio técnico sobre a metodologia do Programa Produtor de Água, que foi criado pela ANA em 2001, para que os produtores rurais compreendam o projeto e passem a integrá-lo.
Além disso, a ANA repassou cerca de R$ 1,3 milhão em recursos para a execução do programa.
“Para esse projeto específico, o município de Presidente Prudente tem o protagonismo na coordenação das atividades”, destacou ao G1.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranapanema (CBH-Paranapanema) destacou ao G1 que é o mobilizador deste projeto dentro da Bacia e que Presidente Prudente é o primeiro município da área a recebê-lo.
Por Stephanie Fonseca, G1 Presidente Prudente
Fonte G1.
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