Percurso de família vira ‘safári’ após flagra de onça-parda, ameaçada de extinção, passeando em avenida na zona urbana de Presidente Prudente
Situação causou ‘espanto e euforia’ e foi registrada por câmeras. Expansão urbana e consequente perda de habitat dos felinos selvagens colocam a espécie sob risco, afirma biólogo.
Um trajeto que era rotina comum de uma família de Presidente Prudente (SP), nesta semana, virou “aventura” similar a um “safári” e história para contar. Eles cruzaram com uma onça-parda (Puma concolor), felino de uma espécie ameaçada de extinção, enquanto trafegavam por uma avenida do Parque Residencial Funada, na zona urbana da cidade, em trecho próximo ao Balneário da Amizade. A situação causou “espanto e euforia”, e foi registrada por câmeras.
Com os celulares em mãos, Fabiana Rodrigues Sousa Dias e o marido, Cesar Ferreira Dias, registraram o encontro, na última terça-feira (21).
“Fazemos esse trajeto todos os dias. Não esperávamos encontrar uma onça na avenida. A primeira reação foi de espanto”, contou Fabiana ao g1.
Então, de carro pela Avenida Andelson Ribeiro, a família começou a acompanhar o felino, pois ele seguiu em direção às casas e próximo a uma creche que tem no bairro. “A onça parecia assustada, desorientada”, disse.
A polícia foi acionada, mas, enquanto estavam na “aventura”, ninguém apareceu.
“Frisando que o intuito era somente seguir, acompanhar, para ver onde ela ia e poder avisar se tivesse risco para pessoas. Em nenhum momento descemos do carro, estávamos com crianças e mantivemos distância”, enfatizou Fabiana ao g1.
Além de Fabiana e Cesar, estavam no veículo os filhos do casal – uma jovem de 21 anos e um garoto de 10 anos – e a neta, de 6 meses.
Moradora no Jardim Ouro Verde há 15 anos, a prudentina relatou que já tinha cruzado com outros animais silvestres, porém, de pequeno porte.
“Nunca tinha visto uma onça. Tentamos registrar o momento. Estávamos eufóricos”, afirmou. “Meu filho disse que ia contar a história para os amigos da escola”, lembrou ao g1.
Flagra
A região, que fica na zona oeste de Presidente Prudente, conta com vários condomínios residenciais. O g1 contatou um deles e verificou que o “passeio” também foi registrado por câmeras de segurança (assista ao vídeo acima).
Nas imagens obtidas pelo g1, é possível ver, às 23h44m30, no canto inferior direito, a onça descendo a avenida. Ela atravessa a pista e passa por um trecho sem iluminação. Às 23h47m38, o felino está lá embaixo e aponta o farol do veículo ocupado pela família de Fabiana. A onça sobe novamente a avenida e é possível ver o acompanhamento.
Perda de habitat
O biólogo Rondinelle Artur Simões Salomão, professor doutor na Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), em Presidente Prudente, explicou ao g1 que a onça-parda “é um carnívoro de hábito solitário e territorialista, formando pares somente durante a época de acasalamento”.
É um dos felinos que mais se adaptam a diferentes tipos de ambientes e pode caçar presas de grande porte – como capivaras, porcos-do-mato e veados – e presas de médio e pequeno portes, como pacas, tatus, quatis, aves e répteis em geral.
“É justamente esta flexibilidade da onça-parda em se adequar a diferentes tipos de habitats que tem levado a espécie a cada vez mais utilizar áreas antropizadas em busca de alimento e abrigo”, explicou Salomão.
Conforme o biólogo, “provavelmente este animal estava transitando entre os fragmentos de área verde preservados que existem no local em busca de presas e/ou abrigo, uma vez que o Balneário da Amizade propicia um ambiente adequado a sobrevivência de diferentes espécies”.
“Uma das maiores ameaças à sobrevivência dos felinos selvagens em todo o mundo é a perda de habitats em virtude da expansão urbana, da matriz agropecuária, a retaliação por predação de animais domésticos e os atropelamentos. Portanto, é sempre importante obedecer aos limites de velocidade das vias e se manter atento”, salientou ao g1.
Salomão ainda orientou que, ao avistar um animal selvagem nas vias, é importante manter uma distância considerável e não tentar afugentá-lo.
“Esses animais não oferecem riscos diretos aos seres humanos e, se não forem incomodados, seguirão seu caminho. Onças-pardas só se defendem nos casos em que ficam acuadas ou estão protegendo suas crias”, ressaltou.
Ainda segundo orientação do biólogo, ao encontrar animais silvestres dentro de residências, é necessário entrar em contato com os órgãos competentes, que são a Polícia Militar Ambiental e o Corpo de Bombeiros, para que façam a remoção de forma adequada e segura.
1ª vez
André Gonçalves, biólogo responsável por diversos levantamentos de fauna em Presidente Prudente, informou ao g1 que já foi constatada a presença de onça-parda no município, em áreas que compreendem as bacias hidrográficas dos rios Paranapanema, Santo Anastácio e do Peixe.
Há relatos de observação em regiões das zonas leste e norte, próximos de casas que confrontam com pastagem.
“Pessoas nas casas ou ruas que confrontam com pastagem relataram no passado, três, quatro anos atrás, terem avistado onça-parda e, em visita in loco, foi constatada através de pegada a presença desses animais, confirmando a visualização”, explicou o biólogo ao g1.
“Nesse caso da onça-parda dentro de bairro já com edificações de moradias, com ruas, como apresenta o vídeo, é a primeira vez que tem esse relato desse animal aqui no município”, afirmou.
Possivelmente, de acordo com o biólogo, o animal estava percorrendo a região da bacia que compreende ao Córrego do Limoeiro, afluente do Rio Santo Anastácio.
“Fazendo esse trânsito, ele pode ter se perdido devido aos loteamentos, aos condomínios e ao cercamento das APPs [Áreas de Preservação Permanente], que acabam dificultando a entrada desse animal em algum outro ponto oportuno”, destacou.
O biólogo lembrou que o relato mais próximo de felino – porém, de menor porte – nessa proximidade da área urbana foi de jaguatirica (Leopardus pardalis). Segundo Gonçalves, a espécie já foi observada há algum tempo em bairros de Presidente Prudente, inclusive, numa região também próxima ao Balneário da Amizade, que é o bairro Cecap, na zona oeste.
Conforme comentou Gonçalves, naquela área já foram observados outros animais silvestres, como raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e anta (Tapirus terrestris).
Segundo maior felino no Brasil
A onça-parda possui distribuição ampla no Brasil e ocorre em todos os biomas. Entretanto, mesmo amplamente presente no território nacional, as populações de onças-pardas estão “bastante reduzidas ou mesmo extintas localmente”, “sendo a espécie classificada como vulnerável”, segundo explicou o biólogo Rondinelle Salomão.
Em tamanho, a onça-parda perde somente para a onça-pintada (Panthera onca), sendo assim a segunda maior espécie de felino das Américas e a quarta maior do mundo.
O peso médio de um macho adulto pode variar entre 40kg e 72kg, enquanto que nas fêmeas varia de 34kg a 48kg. O corpo é alongado e esguio, com comprimento médio de 1,80 metro. A coloração da pelagem é uniforme, variando na região dorsal do amarelo pardo ao avermelhado, sendo o ventre e a parte interna dos membros mais claros.
Fonte: G1
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