Vítima de violência doméstica, assistente social transforma dor em luta para ajudar outras mulheres


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Vítima de violência doméstica, assistente social transforma dor em luta para ajudar outras mulheres

Lucy Lima, de 45 anos, foi violentada de diversas formas pelo marido durante dez anos de casamento. Hoje ela atua no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Presidente Prudente.

“Transformei dor em luta”. É assim que a assistente social Lucinete Aparecida Santiago Lima, de 45 anos, define a sua história.

Ela viveu todas as formas de violência contra a mulher.

Foram dez anos sofrendo agressões física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. O agressor foi o homem que a pediu em casamento e pai de seus quatro filhos. Ela foi ferida por tanto tempo que chegou ao ponto de achar que a única saída seria a morte.

E foi justamente neste momento em que ela decidiu mudar seu destino. Hoje ela é assistente social no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), em Presidente Prudente (SP), e ajuda outras mulheres a superarem a violência doméstica.

O início

Mais conhecida como Lucy Lima, ela conta ao G1 que nasceu na cidade de Itaeté, na Bahia, e está no Oeste Paulista há 17 anos. Mudou-se para o interior do Estado de São Paulo para se casar, já que o marido morava em Presidente Venceslau (SP). Os dois se conheceram por causa de amigos em comum.

“O começo na região foi bastante difícil, sem a presença da minha família. Mas o primeiro ano de casamento foi um dos melhores que eu vivi. No segundo ano de casamento, quando veio o primeiro filho, começaram as dificuldades”, relata.

Ciclo de violência

O chamado “período de lua de mel” acabou e deu lugar às agressões. “Eu não contei nada para minha família. Não tinha uma rede de amigos estabilizada. Não conhecia ninguém, demorei para ganhar a confiança das pessoas. Eu só tinha o meu marido de referência na cidade”, diz.

Ela lembra que sofreu todo o ciclo da violência doméstica. “Ele me bateu, xingou, deixou meu olho roxo, quebrou meus dentes, puxou meus cabelos, colocou faca no meu pescoço, me ameaçou e ameaçou a minha família”, detalha.

Mãe e filhos apanhavam juntos. Além da violência física, ela deu exemplos das demais agressões. “Ele dizia para eu não olhar no espelho porque iria quebrar, que eu era feia, que tinha pernas feias, era magricela”, enumera algumas das agressões psicológicas.

Sobre a violência patrimonial, ela foi obrigada a vender a casa da família.

“Ele vendeu a casa, me levou para outra cidade e lá me deixou sozinha em uma casa. Eu estava grávida e já tinha o filho mais velho. Com o dinheiro da venda, ele comprou móveis para a casa que alugou, mas depois vendeu por preço de banana”, diz Lucy. Houve também notebook quebrado e documentos importantes rasgados.

A respeito da violência moral, Lucy afirma que era difamada aos vizinhos. “Ele me caluniava, dizia que eu o traía”, conta.

Teve ainda a violência sexual. “Meu filho caçula é fruto de um abuso. Ele apareceu e me obrigou a ter relação [sexual] e eu engravidei”, fala.

Lucy relata que tinha noção das violências que sofria. “Mas não tinha coragem de sair do ciclo. Era dependente emocionalmente e financeiramente”, reconhece.

‘Transformei dor em luta’

A vida baseada em abusos foi de 2004 a 2015.

“Ele sumia e voltava do nada. E as brigas continuavam, as agressões”.

Isso se estendeu até o dia em que pensou em tirar a vida dela e dos filhos.

“Eu cheguei a tentar suicídio. Porém, foi neste dia que veio a força do alto que me impediu de cometer o ato. Uma voz que bradou quando eu estava pronta para colocar fogo com uma garrafa de álcool e um fósforo na mão. Eu ia atear fogo na cama em que meus três filhos estavam dormindo e eu estava gestante de seis meses. Eu ia abraçá-los. Eu ouvi uma voz bem forte que me disse: ‘Não faça isso’. Eu voltei para trás. Joguei o fósforo pela janela, coloquei a garrafa de álcool em cima da geladeira”, relembra.

Depois disso, ela foi ao banheiro e “conversou com seu reflexo”.

“Eu chorei muito. Comecei a olhar o espelho e a minha imagem começou a falar comigo. Aquela pessoa que estava do outro lado do espelho, que é hoje a Lucy, em construção, começou a falar: ‘Você é linda, você é maravilhosa, você vai vencer, vai se tornar uma mulher grande, você vai sair dessa situação. Tudo vai passar'”, conta.

A “Lucy do futuro” foi quem a encaminhou para ser quem é hoje.

“Hoje sou a Lucy Lima, palestrante. Transformei toda dor em luta. Essa força veio do alto, veio de dentro. Só uma mulher que conseguiu sair de uma situação difícil vai conseguir me entender. É uma força inexplicável, que me trouxe vida, me trouxe esperança. Hoje eu estou aqui para dar meu depoimento para ajudar outras mulheres que passaram ou passam pela mesma situação que eu”, afirma.

A faculdade de assistência social veio depois do nascimento do caçula. “Ela me trouxe novos horizontes. Foi um divisor de águas. Abriu portas na minha vida e quebrou paradigmas”, fala.

O marido ainda tentou impedir a realização desse sonho. “Comecei em 2014. Ainda estava sofrendo a violência. Ele tentou me impedir. Disse que eu saía atrás de macho, que eu era vagabunda. Eu deixava pessoas cuidando das crianças, mas ele as mandava embora. Só que depois ele saía e as crianças ficavam sozinhas. Ele tentou me sabotar de todas as formas”, explica.

Ela conta que teve de buscar forças sozinha para se separar para não deixar os filhos na situação de violência também. “Todos tinham medo de ajudar. Tinham medo dele e havia também os julgadores”, salienta.

Apesar de todos os empecilhos, ela se formou em 2017, já separada do marido. “A formação me trouxe outras experiências e expectativas, quero ainda mais trabalhar com mulheres a fim de ajudá-las a se libertarem. Minha faculdade abriu as portas, mas sou eu que devo tomar a decisão de entrar por elas”, frisa. Seu tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi sobre mulheres vítimas de violência doméstica.

Desde outubro do ano passado, ela atua como monitora social no Creas 2 e vê muitas vítimas que passam pelas mesmas situações que vivenciou.

“A violência doméstica ainda é tabu. Elas têm medo. São dependentes como eu fui um dia. O que mais segura é a dependência emocional e financeira. Filhos também. Muitas têm medo de falar, de denunciar, ou não percebem que vivem uma situação de violência, como a psicológica, por exemplo”, pontua.

Como palestrante, ela já participou de eventos em penitenciárias, universidades públicas e privadas e grupos empresariais.

“É uma sensação de continuar a missão. Penso que juntas somos mais fortes, quero ser a mulher que vai na frente, abrindo o caminho, mas sinto em construção ainda”, enfatiza.

Rede de apoio

Para quem identificar uma vítima de violência doméstica, Lucy destaca que é preciso ser a rede de apoio dessas mulheres.

“Ouvir sem julgamento, incentivar a registrar um Boletim de Ocorrência dependendo da gravidade do caso. Também é possível ligar no telefone 180, que serve para orientar a mulher, mas qualquer pessoa pode denunciar. Também é importante mobilizar a rede familiar desta mulher. Quanto mais pessoas do círculo de amizade e familiar souberem que ela sofre violência, mais ajuda ela terá”, orienta.

Para as mulheres que são vítimas de alguma forma, ela afirma que é preciso denunciar. “Estou à disposição como profissional da área de serviço social, como palestrante, mas também como um apoio para que se crie um vínculo para que esta mulher se sinta segura e tome a melhor decisão de denunciar e continuar sua vida. A vida de todas as mulheres no mundo me importa, esta é a minha luta”, define.

Serviço

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social está localizado na Rua Major Felício Tarabai, nº 1.167, na Vila Nova, em Presidente Prudente. Os telefones do Creas são (18) 3222-4696 e 3223-9162.

Fonte: G1

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